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PERDER BEM por Filipe Nunes Vicente

27.03.22

Cabeça fria não é indiferença ao perigo, grace under pressure,  aplomb, panache, valentia. Cabeça fria dorme com   a condição estóica (1)  e o instinto de sobrevivência (2):
1) Significa aceitar o que nos acontece sem raiva ao mundo nem  auto-comiseração, mas também sem desistir. Cada dia é um ciclo inteiramente  novo ( daí a deriva popularucha do um dia de cada vez o  que se conduzir ao cadafalso não adianta muito), o passado é nosso, o presente está  a ser feito, o futuro estou-me nas tintas.
2) Queres ou não viver?  Se queres tens de viver bem. E para viver bem monta um cavalo decidido. E um cavalo precisa de um cavaleiro que lhe diga para onde ir, que saiba para onde ir. A hesitação,  a tremura ou  a intrepidez estouvada fazem-te cair  da sela em segundos.
Se a coragem idiota ou a obstinação irracional podem trazer-nos sarilhos, o excesso de cautela também.
O excesso  de cautela, para o que nos interessa  aqui, vem muitas vezes das personalidades  obsessivas, variação dubitativa. Ponderam, analisam, voltam  a ponderar e ficam imobilizadas. O problema é que os problemas não esperam por elas. Arranja-se assim um desencontro entre o mundo e elas.
O Duque de Medina-Sidónia ( o VII)  ficou na História  como alguém dado à paralisia. Protagonizou episódios caricatos na batalha naval com os ingleses ( um recuo e uma  longa viagem  de regresso de volta à Grã-Bretanha) e um outro em Cádiz. O Conde de Essex chegou, conquistou  a cidade, bateu nos gaditanos e  foi-se embora. Medina-Sidónia congelou e só depois apareceu. Cervantes dedicou-lhe  um trecho admirável de ironia:
Ido ya el Conde, sin ningún recelo,

Triunfando entró el Duque  de Medina.

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