27.03.22
Cabeça fria não é indiferença ao perigo, grace under pressure, aplomb, panache, valentia. Cabeça fria dorme com a condição estóica (1) e o instinto de sobrevivência (2):
1) Significa aceitar o que nos acontece sem raiva ao mundo nem auto-comiseração, mas também sem desistir. Cada dia é um ciclo inteiramente novo ( daí a deriva popularucha do um dia de cada vez o que se conduzir ao cadafalso não adianta muito), o passado é nosso, o presente está a ser feito, o futuro estou-me nas tintas.
2) Queres ou não viver? Se queres tens de viver bem. E para viver bem monta um cavalo decidido. E um cavalo precisa de um cavaleiro que lhe diga para onde ir, que saiba para onde ir. A hesitação, a tremura ou a intrepidez estouvada fazem-te cair da sela em segundos.
Se a coragem idiota ou a obstinação irracional podem trazer-nos sarilhos, o excesso de cautela também.
O excesso de cautela, para o que nos interessa aqui, vem muitas vezes das personalidades obsessivas, variação dubitativa. Ponderam, analisam, voltam a ponderar e ficam imobilizadas. O problema é que os problemas não esperam por elas. Arranja-se assim um desencontro entre o mundo e elas.
O Duque de Medina-Sidónia ( o VII) ficou na História como alguém dado à paralisia. Protagonizou episódios caricatos na batalha naval com os ingleses ( um recuo e uma longa viagem de regresso de volta à Grã-Bretanha) e um outro em Cádiz. O Conde de Essex chegou, conquistou a cidade, bateu nos gaditanos e foi-se embora. Medina-Sidónia congelou e só depois apareceu. Cervantes dedicou-lhe um trecho admirável de ironia:
Ido ya el Conde, sin ningún recelo,
Triunfando entró el Duque de Medina.