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PERDER BEM por Filipe Nunes Vicente

05.03.22

A língua de pau psicológica diz que a má consciência  é uma autopunição, uma interiorização do impulso agressivo dirigido ao self. Fez tanto caminho que já gastou as rodas. Funda-se, de Nietzsche ao Freud inicial ( o tardio é outra conversa) , na ideia do homem maravilhoso se livre  da repressão social, ou seja, do cristianismo. Os budistas falavam de dez males terríveis a evitar, entre eles o matar, o roubar e o sexo  impróprio; tudo  muito antes de Cristo se ter empinado na cruz. Deixemos essa conversa  de  descerebrados.

A má consciência  tem um crédito terapêutico. Notei, ao longo destes muitos  anos de clínica, que faz as pessoas melhores. Gente que placidamente ignorava  os efeitos das suas acções nos outros torna-se capaz de os sentir como se os tivesse sofrido. Isto  transforma-os finalmente em humanos: animais sem sossego.

 

Já se as  pessoas querem limpar a consciência para isso não precisam de mim. Têm  a psicanálise: você só foi para cama com esse seu antigo colega  para corresponder a uma fantasia sexual reprimida com o seu pai. Uma  consciência limpa é sinal de fraca memória, dizia o Mark Twain. Quero-a suja e gosto que as pessoas conservem a memória, é útil na terapia. É uma ferramenta essencial para combater a vitimização e o delírio de  grandeza, coisas que perturbam a autonomia do sujeito.

A vida é suja, a consciência  também. Aceitá-la como se aceita a perda ou o abandono é um caminho do bosque.

 

 

 

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