13.02.22
As memórias são sempre más: se são boas são más porque são de um tempo irrepetível; se são más atormentam-nos.
Um psicanalista chanfrado, Ferenczi, num texto com um título ainda mais chanfrado ( The psychic effect of sunbath, 1914 ) discorre sobre a neurose de domingo . A ideia é que todas as memórias depressivas ligadas a uma data ( dia, hora, ano) específica são um gatilho que faz regressar um estado de impulsos reprimidos ( uma constante psicanalítica). Ou seja, deprimimos porque nos lembramos da repressão.
É possivel, pese a chanfradice, que o homem tenha uma certa razão. Quando recordamos certos episódios recordamos também a impotência: apeteceu-me sei lá quê, só queria desaparecer etc, tive vontade de lhe ir aos fagotes etc. É curioso que talvez aconteça uma ligeira variação com as boas memórias: ficamos deprimidos porque somos impotentes para regressar a esse tempo e repetir a experiência. Pior ainda se não a aproveitámos como devia ser.
Utilizo a coisa em terapia: arquivar. E utilizo quando a pessoa necessita de aprender a viver com uma má memória ( das más mesmo). Recordemos a teoria do Ferenczi: deprimos porque recordamos a repressão de impulsos associados a determinado acontecimento. Não chega. Por vezes é mesmo a mágoa e a dor: ao natural.
Para conseguir arquivar precisamos de conceder à má memória um lugar respeitável. Pode ser uma morte, uma ofensa, um amor roubado, a coisa tem é de ter direito a coexistir com o resto da maralha. Ora... isto briga com a tendência natural de querer esquecer.
Arquivar significa então reconhecer a impotência diante do passado. Arrumar as más memórias numa prateleira poeirenta porque elas fazem parte da mobília. Significa, num campo mais vasto, aceitar que a vida é um caminho para a derrota final e inexorável. E é um caminho radioso porque há várias metas volantes deliciosas que só apreciamos se lhes dermos o devido valor. O valor da excepção.