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PERDER BEM por Filipe Nunes Vicente

01.02.22

Carlos de Oliveira. À admiração por uma escrita  absolutamente limpa,  e à tristeza pelo esquecimento que hoje  lhe é dedicado, junto um pequeníssimo laço : a sua relação com meu pai que era seu médico e quase amigo. Uma indiscrição inocente:  o Carlos tinha medo de ir ao dentista e o meu pai, quando podia, ia com ele.

Num texto sobre todo "o escritor português marginalizado" - sofre biograficamente do complexo do iceberg: um terço visível, dois terços debaixo de água - , Carlos de Oliveira recorda,  uma  e outra vez, Afonso Duarte, o conimbricense de Ereira aposentado compulsivamente em 1932, da Escola Normal Primária ( resta-me a poesia, essa ninguém ma tira, dizia ele a Carlos  de Oliveira).

Noutro fala sobre a crise primordial do mundo moderno ( isto nos anos 60) e do receio de um apocalipse pouco espectacular, interno, fundado na tecnocracia - a habituação passiva ao mecanismo - e na  idolatria, a sufocante  obsessão dos objectos.

 

Seria o Carlos de Oliveira um tremendista? Não me cheira. O parágrafo citado é suave – apocalipse pouco espectacular, habituação passiva – e desiludido. Talvez apenas isso, desiludido. Acontece com a idade e eu, anónimo pouco cidadão, não escapo. O nosso mundo da velhice mais ou menos precoce nunca é o nosso mundo. É um planeta com habitantes parecidos mas costumes diferentes.

A sufocante obsessão dos objectos  já é diferente. O triunfo da vontade do consumidor -  a base do capitalismo, que nos conhece de ginjeira – não poderia desembocar noutro lado. Bem, talvez sempre tenha sido assim, só que dantes as massas não tinham os tais objectos. Coisas do capitalismo.

 

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