16.04.22
Marie Bonaparte, bisneta de Napoleão, financiadora do movimento psicanalítico, aluna de Freud, orfã de mãe com um mês de idade : o nosso sentido da passagem do tempo tem origem no sentido da passagem da nossa própria vida. Quem diz que o passado é inalterável não sabe o que diz. A Marie sabia o que dizia. Procurou a cura psicanalítica para sua frigidez e até se submeteu às cirurgias de um chanfrado-impostor, o dr. Halban em Viena. Diz-se que foi ela a pagar o resgate aos nazis para Freud poder fugir para Inglaterra.
Regressemos ao osso. O passado é feito de duas categorias: o acontecimento e a percepção do acontecimento. Esta é perfeitamente alterável porque é sentida. Um acontecimento ocorrido há vinte anos pode ser hoje sentido de forma tão diferente que passa a ser um acontecimento...novo. O que foi uma coisa terrível tornou-se numa banalidade, o que era um detalhe enevelhece mal e acaba por ficar guardado como uma desgraça. Uma zanga de amigos, uma discussão com o pai, um amor perdido, o que quiserem.
Do ponto de vista psicoterapêutico este passado sentido conta tanto como o outro. Talvez até mais: é o nosso passado.