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PERDER BEM por Filipe Nunes Vicente

16.02.22

Aplicações de encontros. É esse o nome do Tinder, do Happn e de muitas outras. É um nome razoável: simples, directo ao assunto. Nos últimos três-quatro anos coleccionei dezenas de casos de pessoas que mudaram a sua vida sexual  por causa destas aplicações. Já dá para fazer uma pequena e modesta  análise: tenho as notas de 18 histórias. Todas mulheres, nem todas hetero, todas abaixo dos 49, tudo  casos que conheço bem: estão ou estiveram em terapia ou em aconselhamento pontual ( eliminei as consultas sem seguimento).

Um dos primeiros que me chamou a atenção foi o de uma mulher  de  31 anos, muito agraciada pela natureza, inteligente  e com sentido de humor. Para que raio precisava ela de uma aplicação de encontros? Quando a conheci melhor  compreendi. Um par de relações gatadas, nenhuma vontade de se comprometer -  bastante de voltar a ter sexo -, vida profissional preenchida. À noite, sozinha,  tentava encontrar alguém minimamente interessante e depos logo se veria.

 Estas aplicações decorrem da natural presença  na nossa vida das novas   ferramentas de socialização electrónica. Não foi por acaso  que os criadores do Tinder  atarracharam a aplicação ao Facebook: pôr gente  real em contacto, evitar os perfis anónimos (não totalmente , mas enfim), o  Instagram já está acoplado ( o que acontece também no Happn) . Fotos, perfis sociais, conversas descontraídas; ou seja, o antigo café de bairro ou discoteca do século passado em versão tecno. Com algumas diferenças.

 A principal é que todas as mulheres me disseram, de forma mais ou menos explícita, que o envolvimento sexual era o objectivo. Não tinham ilusões  sobre o que os outros queriam. E, como sabemos, sem ilusões as coisas correm melhor. Ainda assim, uma que resistiu algum tempo às aplicações de encontros tinha vergonha de encontrar pessoas conhecidas ( no Tinder, porque o Happn é para isso mesmo): vergonha que pensem que estou desesperada. Trabalhou-se  a coisa e lá acabou por aderir . Divertiu-se imenso, mas continua sozinha.

Algumas das mulheres ( cinco ) eram casadas/ juntas ( as mais velhas) . Fartaram-se de fantasiar com antigos colegas de faculdade, clientes ou vizinhos e quiseram mais. Lá criaram perfis falsos no FB, mas por causa das fotos optaram por candidatos de outras paragens. Este grupo mereceu-me particular atenção porque a mobilidade era menor do que nas mais novas e a solidão era de outro género; sobretudo porque assumiram fisicamente uma necessidade em vez de a camuflar ( sublimar na lalangue analítica). Três delas chegaram a vias de facto e concluiram que foi divertido mas não extraordinário ( e trabalhoso) e regressaram à modorra habitual.

Desdramatizando: do  que constatei, estas mulheres, de uma maneira ou de outra, conseguiram escapar à solidão ( sexual, narcísica, relacional) apenas para descobrir depressa que  essa escapatória é breve.

A tecnologia acelera  e facilita a satisfação  do desejo; a  frustração essa é do tempo da pedra lascada.

 

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