29.04.22
Não podemos viajar em terras que não tenham arquivos, dizia Gasset ( em La Teologia de Renán), o filósofo vive entre as coisas que se diz terem morrido. Sou apenas um mecânico enfarruscado, a minha garagem é de bairro e não tenho multibanco, mas com o tempo fui-me especializando nos arquivos das vidas das pessoas. E que coisas lá há...
Não me interessa a pantomina psicanalítica cheia de jargão vazio que faz dos arquivos um funeral da autonomia do sujeito à mercê das explicações do lançador de búzios atrás do divã. Interessa-me o que lá está enquanto parte viva e consciente do sujeito. Ou seja, interessa-me como é usado o arquivo.
No outro dia uma mulher jovem acabou por me dizer: Não gosto do meu pai. Deve haver poucas coisas mais difíceis de assumir e precisou de grande coragem. Contraria um mecanismo político-familiar e faz tábua rasa da genética? Tanto melhor.
Ela não usa o arquivo como depósito de material acusatório, antes como elemento estruturador da sua identidade. É a filha que não gosta do pai, a filha que guarda uma coisa que se diz ter morrido.