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PERDER BEM por Filipe Nunes Vicente

03.02.22

Suponho que seja um movimento convergente: os novos são hoje  mais atinados, os velhos estão  mais amalucados. É  contrário à  tradição  do enfado diante da decadência? Tanto melhor.

Os novos quase nunca têm  mais do que um irmão ( com frequência são filhos únicos), muitos cresceram com pais separados, confiam na tecnologia para lhes indicar os caminhos do bosque. Têm de ser sólidos.  A lengalenga do facilitismo escolar só a compreendo  a quem não tem filhos. Os miúdos de hoje estudam muito mais. Os meus  tinham testes com a matéria até do ano anterior: comigo dava motim ou encenação de crise psicótica.

São porventura mais lânguidos, ficam em  casa dos pais mais tempo? Talvez. Os ursos também hibernam, mas  isso não os impede de limpar o sarampo ao primeiro petisco  primaveril. Para além disso é inteligente  não ter pressa de entrar neste mundo adulto em que os impostos nos comem vivos, os cãezinhos têm papás e o tédio sobrevive aos antidepressivos. 

A cria mais nova está em psicologia. Pergunta-me  a diferença entre um sociopata e um psicopata. Respondo-lhe que não sei. Fica meia desiludida. Ofereço-lhe um conselho: se queres aprender alguma coisa de psicologia  lê os críticos da coisa. Mesmo os malucos. Lê Foucault, lê os movimentos anti-psiquiatria dos anos 70, lê o Szasz. Caso contrário ficas um papagaio.

Eu sei, quando estamos a aprender queremos tudo arrumadinho em quadros e tabelas. Catatuas seniores dão-nos um mundo  impecável de certezas, aquilo que na antropologia se chamava ciência de varanda ou de alpendre ( versão lusa). Depois falhamos e crescemos.

O Estado Novo, fascistóide e censor,  impediu que João dos Santos tivesse formado mais gente em Portugal. Ainda o conheci em miúdo,  de relance, num verão figueirense em casa do Carlos Amaral Dias. Um  velhote simpático de barbas brancas: este senhor é muito importante. Era  sim senhor. E foi sobretudo  a lê-lo bem mais tarde - os livros com João Sousa Monteiro e os trabalhos sobre patologias infantis - que desemburrei.  É uma pena que não disponibilizem às  novas gerações de psicólogos a curiosidade insaciável do João dos Santos: se não sabe por que é que pergunta?

 

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