03.02.22
Suponho que seja um movimento convergente: os novos são hoje mais atinados, os velhos estão mais amalucados. É contrário à tradição do enfado diante da decadência? Tanto melhor.
Os novos quase nunca têm mais do que um irmão ( com frequência são filhos únicos), muitos cresceram com pais separados, confiam na tecnologia para lhes indicar os caminhos do bosque. Têm de ser sólidos. A lengalenga do facilitismo escolar só a compreendo a quem não tem filhos. Os miúdos de hoje estudam muito mais. Os meus tinham testes com a matéria até do ano anterior: comigo dava motim ou encenação de crise psicótica.
São porventura mais lânguidos, ficam em casa dos pais mais tempo? Talvez. Os ursos também hibernam, mas isso não os impede de limpar o sarampo ao primeiro petisco primaveril. Para além disso é inteligente não ter pressa de entrar neste mundo adulto em que os impostos nos comem vivos, os cãezinhos têm papás e o tédio sobrevive aos antidepressivos.
A cria mais nova está em psicologia. Pergunta-me a diferença entre um sociopata e um psicopata. Respondo-lhe que não sei. Fica meia desiludida. Ofereço-lhe um conselho: se queres aprender alguma coisa de psicologia lê os críticos da coisa. Mesmo os malucos. Lê Foucault, lê os movimentos anti-psiquiatria dos anos 70, lê o Szasz. Caso contrário ficas um papagaio.
Eu sei, quando estamos a aprender queremos tudo arrumadinho em quadros e tabelas. Catatuas seniores dão-nos um mundo impecável de certezas, aquilo que na antropologia se chamava ciência de varanda ou de alpendre ( versão lusa). Depois falhamos e crescemos.
O Estado Novo, fascistóide e censor, impediu que João dos Santos tivesse formado mais gente em Portugal. Ainda o conheci em miúdo, de relance, num verão figueirense em casa do Carlos Amaral Dias. Um velhote simpático de barbas brancas: este senhor é muito importante. Era sim senhor. E foi sobretudo a lê-lo bem mais tarde - os livros com João Sousa Monteiro e os trabalhos sobre patologias infantis - que desemburrei. É uma pena que não disponibilizem às novas gerações de psicólogos a curiosidade insaciável do João dos Santos: se não sabe por que é que pergunta?