04.05.22
Um dos piores indicadores da situação de alguém é o estado da casa. Não me refiro às paredes ou à conservação do soalho. A nossa casa é, tem de ser, o nosso refúgio. Já conhecem refrão estóico do amigo Marco Aurélio: nunca tem bom vento quem não conhece bem o seu porto. Chegar depois de um dia de cão a um sítio onde em regra nos envolvemos em gritaria virulenta ou em desprezo calculado é trilhar caminho impérvio.
Um antropólogo francês em moda nos anos 90, Marc Augé, falava da retórica familiar: a nossa casa é onde não temos de dar justificações. Por ex, podemos andar de boxers ( sirvo já todos os géneros incluindo o fluido). Isto é um dos lados. O outro é o do reconhecimento. Vivemos com conhece os nossos ritmos e vice-versa. Isto devia proporcionar uma harmonia razoável.
Bem sei que harmonia familiar é uma expressão que os neuróticos mal-resolvidos e mal-amados têm diabolizado desde os anos 60 a pretexto da liberdade contra a opressão familiar-burguesa. Como o resultado do alívio de tamanha sarabanda foi um espectacular aumento do consumo de ansiolíticos e antidepressivos, incluindo já os dados anteriores à pandemia, concluo que tanto a asfixiante família tradicional ( que a havia...) como a vesânia psi são más cidadelas.
Do que falo aqui é de uma coisa simples e inscrita numa ordem muito antiga: somamos muito mais do que somos individualmente.