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PERDER BEM por Filipe Nunes Vicente

28.04.22

Separarmo-nos de alguém não tem segredos. O outro passa  a suplente, depois  deixa de ser convocado e finalmente é posto na lista de transferências. Agora separarmo-nos de nós é uma história de massacre. De Profundis, Valsa Lenta é um bom guia.
Sem memória esvai-se o presente que  simultaneamente já é  passado morto. Queria o Cardoso Pires dizer ( atrevo-me eu) que é a memória que faz com que o tempo não seja apenas medido mas também sentido. Um demenciado diz que vai ali falar com a mulher que já morreu há uma dezena de anos.  Petrarca consola o viúvo: espera-te  a liberdade, já não tens adversário.  É terrível e nem  todos entendem, mas o Cardoso Pires colhe  os abrunhos.

A memória é uma advogada  de barra. Quando  julgamos ter provado os factos ela puxa de um articulado e obriga-nos a recordar outros. As memórias dos meus filhos quando eram pequenos são ensombradas pela impossibilidade de recuperar esses instantes. Por vezes chego ao ponto de invejar os doentes demenciados que todas as semanas vejo. Uma estupidez que o Cardoso Pires cura.

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