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PERDER BEM por Filipe Nunes Vicente

11.09.22

Tenho pensamentos que não me saem da cabeça. Dizem que sou obsessivo.

A máquina não aprecia deslealdades. Exceptuando ganhar muito dinheiro, ser o melhor e ficar eternamente jovem, todas as outras obsessões são proibidas.

Eu por exemplo tenho obsessão com o bacalhau. Já só compro o da Caxamar. Parece caríssimo mas fica barato, não pagas rabos  nem postas esquálidas e esbranquiçadas recheadas de espinhaços. A demolha segue regras exemplares. Seis mudas nas primeiras seis horas. Depois mais três mudas nas 24h seguintes. Sempre no frio. A qualidade é emocionante. No ponto certo de cura e salga. Nunca cozido, só escaldado. Se quiseres viajar ao tempo do Aquilino prepara a punheta, a verdadeira: não o demolhes, corta lascas anoréxicas, come-as com pão escuro, um fio de azeite e tinto rude. Nas tabernas desse tempo era o ganha-pão de quem queria vender muito vinho aos seca-adegas.

Existem, portanto, obsessões vadias que têm de ser protegidas. São as que escapam às da moda e aos psis. Como as distingues dessas? Não pensando muito nisso. Vive com elas, não para elas.

 

 

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