07.04.22
Conheço-os bem, sou um deles.
A representação comum e estereotipada da alegria: grupo, saúde física, risos, natureza. Se colocasse aqui uma equivalente da depressão escolheria a imagem de uma pessoa com olheiras e enroscada na cama com as mãos na cabeça. Estas representações têm em comum o código corporal, a tradução corporal dos estados mentais. O que acontece quando essa tradução não existe?
Há pessoas deprimidas que nunca disseram aos outros que se sentem deprimidas. E bem: os outros não acreditariam. São pessoas que riem, trabalham, dormem mais ou menos bem, convivem, fazem desporto, não tomam antidepressivos. Então e podem estar deprimidas? Podem. E às vezes muito
O que a vulgata não conta é que o tom depressivo pode conviver com um estilo de vida dito normal e até muito agradável. Isto acontece porque alguns de nós orientam o pathos depressivo para fora da corrente quotidiana, mas há mais. A tradução comportamental resulta da falta de controlo. Por exemplo quando estamos encolerizados e nos portamos como tal. Os deprimidos camuflados exercem uma vigilância apertada sobre o afecto depressivo: o medo, a angústia e o deslace da vida são mantidos em regime de apartheid do quotidiano normal. Dir-se-ia que um contrato psicossocial se estabelece: podes ser deprimido se não pareceres um.
Muitos e variados motivos podem ser os culpados. Há pessoas que deprimiram em função de acontecimentos, outras arrastam fastios de infância mal resolvidos, algumas exprimem heranças genéticas ou ganchos de direita que levaram a meio da vida. Seja como for todas resolveram casar com a depressão sem se deixar dominar por ela. Por vezes estes deprimidos camuflados retiram até algum prazer em dominar a melancolia e o pessimismo . Outros conseguem arranjar nichos ecológicos para a depressão brincar à vontade.