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PERDER BEM por Filipe Nunes Vicente

02.05.22

O ciúme de Dejanira  é sexual, mas os ciúmes mais tóxicos que conheço são de outra natureza. A matriz é sempre um pensamento maníaco e insolente produzido por um pensador desiludido e mal amado. Dejanira acaba por dar razão a esta observação que qualquer  interesssado na  natureza humana pode fazer. Utilizo a  tradução ( excelente como sempre) de Maria José Fialho.

Para quem não conhece: Dejanira recolhe do peito de  Nesso, o Centauro,  o sangue provocado pela lança de Héracles. O Centauro tinha-a apalpado e o filho de Zeus não gostou. Dejanira aplica esse sangue numa túnica porque o moribundo prometeu-lhe que ela ficaria da posse de um encantamento especial: Héracles nunca mais voltaria  a olhar para outra mulher.  Bem, o tempo passa e Héracles trai e vola a trair e Dejanira resolve usar o filtro mágico. A coisa corre mal e o amado agonia em vez se tornar fiel . Dejanira mata-se e Hilo atira o corpo do pai para a pira apaziguando-lhe  o sofrimento.
O estásimo terceiro revela Cípris, a deusa que motiva o apetite de Dejanira,  como uma deusa do engano e da destruição. Quem está familiarizado com  as tragédias gregas sabe que os deuses desempenham um papel de ignição das forças e fraquezas humanas. Dito por mim, portanto, por um pobre leigo:  a eles tudo é permitido, os humanos é que os interpretam mal. Dejanira  foi conquistada por Héracles com a ajuda dos deuses e ilude-se desde aí. A sua soberba será por eles castigada.

Na nossa actual vidinha contentinha, inchados de importância  técnica e desdenhando tudo o que não se possa ser impingido pela publicidade ou fabricado,  As Traquínias parece um texto  tolo e deslocado. Pensa outra vez quando leres uma história banal de ciúme  e  morte.

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