O ciúme de Dejanira é sexual, mas os ciúmes mais tóxicos que conheço são de outra natureza. A matriz é sempre um pensamento maníaco e insolente produzido por um pensador desiludido e mal amado. Dejanira acaba por dar razão a esta observação que qualquer interesssado na natureza humana pode fazer. Utilizo a tradução ( excelente como sempre) de Maria José Fialho.
Para quem não conhece: Dejanira recolhe do peito de Nesso, o Centauro, o sangue provocado pela lança de Héracles. O Centauro tinha-a apalpado e o filho de Zeus não gostou. Dejanira aplica esse sangue numa túnica porque o moribundo prometeu-lhe que ela ficaria da posse de um encantamento especial: Héracles nunca mais voltaria a olhar para outra mulher. Bem, o tempo passa e Héracles trai e vola a trair e Dejanira resolve usar o filtro mágico. A coisa corre mal e o amado agonia em vez se tornar fiel . Dejanira mata-se e Hilo atira o corpo do pai para a pira apaziguando-lhe o sofrimento.
O estásimo terceiro revela Cípris, a deusa que motiva o apetite de Dejanira, como uma deusa do engano e da destruição. Quem está familiarizado com as tragédias gregas sabe que os deuses desempenham um papel de ignição das forças e fraquezas humanas. Dito por mim, portanto, por um pobre leigo: a eles tudo é permitido, os humanos é que os interpretam mal. Dejanira foi conquistada por Héracles com a ajuda dos deuses e ilude-se desde aí. A sua soberba será por eles castigada.
Na nossa actual vidinha contentinha, inchados de importância técnica e desdenhando tudo o que não se possa ser impingido pela publicidade ou fabricado, As Traquínias parece um texto tolo e deslocado. Pensa outra vez quando leres uma história banal de ciúme e morte.