31.03.22
Há histórias notáveis de resistência. A., 56anos, é uma senhora que viveu a cuidar dos filhos e da fazenda ( horta), o marido era pedreiro. Ele está sem trabalho há quatro anos, sem subsídio há quase dois, sem se poder mexer muito há um: L5 e L6 esmagadinhas e as outras vértebras também não se sentem bem. Dois filhos. Um na Alemanha há muito tempo, o outro foi para lá agora deixando cá a mulher e um bebé.
A. é corada, seca de fastios, voz decidida. Que não, que não se deixa abater. É verdade que agora o antigo lema de Vale de Azevedo - um escudo é um escudo - é para ser levado à letra. Não, não é de fome que falamos. De outras coisas: não pode arranjar os dentes, não pode ir ao privado operar-se ao pulso ( túnel cárpico), não compra roupa fez este último Natal um ano.
A. não se deixa abater porque já viveu no inferno. Tinha outro filho que morreu num acidente de mota com apenas dezoito anos. O que tem uma coisa a ver com a outra? Ela explica: Não passei por aquilo, e ainda passo Deus sabe, para me ir agora abaixo por causa de maladias.
A. tem uma rotina. Todos os dias vai a casa de uma vizinha ( que é como quem diz de outro lugar a mais de um quilómetro) de quase noventa anos. Lava-a, dá um jeito na casa, reforça-lhe a dieta que as senhoras do Centro deixam todos os dias. Pergunto-lhe, provocador, o motivo. Olha-me com um desprezo de veludo: Fazia-lhe o mesmo a si.